terça-feira, 5 de abril de 2011

O DIA EM QUE EU MORRI

Um dia tive que morrer e, em um lugar onde as regras eram diferentes das nossas. Em uma de minhas andanças fui parar lá. Este lugar parecia em outro planeta, mas pela “macabrice” das coisas deveria ser nos Estados Unidos. Lá tem muita coisa estranha. O lugar tinha regra até para morrer. Mas eram tantas as regras que eu estava sempre fora delas, não conseguia me encaixar em nada. Imaginem o Pitosto cumprindo regras se nem no Brasil, que não tem, se encaixava direito.
Um dia recebi um aviso, que dali três dias eu deveria ser enterrado, o que queria dizer que eu morreria no máximo depois de amanhã. Aí, procurei me informar e fui à Spigtura* do local, muito contrariado porque estava bem na vida e não queria morrer! Um cara feliz nunca quer morrer! Tentei dialogar com o “Betankâmon” (apelido do Subprefeito) deles lá na Spigtura e levei um esporro tão grande, que achei melhor morrer. Sujeitei-me às regras e disseram-me o seguinte: aqui só se morre no ato de enterrar, mas avisa-se uns dias antes, que é para você providenciar o enterro com todos os rituais que preconizam as nossas regras. Fui ver a lista de providências que deveriam ser tomadas e era uma loucura! Entre mil coisas, deveria convidar as autoridades, os amigos e também o maior inimigo, os parentes, todas as mulheres do local, com as quais pratiquei adultério e se fosse casado, a minha obrigatoriamente tinha que estar lá, providenciar a festa de encerramento da life, com um jantar de topo gastronômico, com uns pratões tipo o “tesouro de tortuga” do Corsário Negro e o “papardelle al filetto” do Toscanelli, “Medalhão à pimenta  verde do Dom Mário, entre outros. A lista das bebidas era outra loucura! “Bebiam o morto” ainda vivo. Tinha que providenciar a abertura da sepultura, caixão com um monte de inscrições obrigatórias, pagar todas as contas inclusive a dos papa-defuntos. Gente, era muito mais prático não morrer, mas a questão era irreversível. Ah! Tinha que convidar as gatinhas “carpideiras”, para chorar de forma comoventemente-sexy, a única coisa razoável até agora. Bem, mas desastrosamente chegou a inquietante hora do enterro. Meio dia do dia “D”. Fui para perto da sepultura, todo de terno, coisa que não gosto de usar, mas era obrigatório, cheio de gente em volta, todos com olhar espantado, mas curiosamente felizes. Os que se diziam meus inimigos, que não sabia tê-los, estavam radiantes, as carpideirinhas sexy choravam a cântaros, fazendo uns biquinhos encantadores e, eu feito um paspalho pronto para deitar no caixão e ser enterrado. A coisa mais ridícula, imbecil e macabra que se poderia imaginar!  Mas nestes três dias que precediam este ato “abestadamente” solene, fiquei tão preocupado com as regras que não consegui pensar neste louco momento de adeus à life. Nesta última horinha, deu-me um estalo: aqui se morre porque o governo quer e nos enterram vivos, eu estou saudável e só quero morrer quando virar bagaço, não posso morrer cheio de saúde, me rebelei com inflamado discurso contra este ato nada democrático. Eu nunca poderia imaginar o quanto estava ofendendo aqueles babacas e, me pegaram de porrada. No tumulto bati com a cabeça no túmulo do futuro vizinho e desmaiei. Aí ficou dramático, eu estava imóvel pela pancada, mas consciente e ouvia todo mundo gritando: enterrem este fora da lei, este estrangeiro imbecil, que não gosta de morrer! Não gostar de morrer é um sacrilégio!  E... muito sob protesto fui para o sub-solo na marra!
E agora Pitosto?
Imóvel, consciente e absurdamente enterrado vivo. Restava uma única esperança. Os vagabundos lá do cais, sabiam que eu tinha algum dinheiro, lá também era cheio de pilantras (semelhante ao congresso). Como fui enterrado fora das regras por ser o único reacionário do local, esqueceram de retirar os meus pertences e isso era praxe, fazia parte do ritual. Se eles se dessem conta, com certeza ao cair da noite eles viriam para pelar o defunto. Aí começou o outro drama: economizar o oxigênio do pouco de ar que sobrara no caixão para durar até a chegada dos pilantras salvadores. Puxa! Eu respirava só um centímetro cúbico cada vez, para poder agüentar até a chegada dos vagabundos. Nunca imaginei esperar ladrões e, pedindo a Deus que viessem. Como estava contra o tempo, fui arquitetando uma astúcia para quando os vadios chegassem eu poder convencê-los não me matarem de verdade... não me vinha à cabeça nada convincente! Manjam aquela hora que nada se encaixa? Bem era esta! Mas eis que chegaram! Uma infernal barulhada de pás tirando a terra e rapidamente chegaram ao caixão. Eu já agonizando por falta de ar! Mas sempre tem aquele momento derradeiro de força, e era minha esperança. Pois bem, quando abriram o caixão, entre desespero, felicidade, medo e falta de ar que eu estava, sentei com tanta rapidez que parecia uma mola. Tóin in!!! Obviamente estava com os olhos esbugalhados, já com cor de cera e cara de defunto. Diante da cena, os vagabundos do cais, dispararam apavorados, sem rumo e desapareceram! Eles tinham pavor de fantasma! Aproveitei a última chance e fugi para um país vizinho, onde aparentemente tinha menos regras, possivelmente o Canadá. Mas o país das malditas regras onde eu havia morrido, já tinha comunicado que eu morrera, para todos os países vizinhos. Em lá chegando, logo ao me identificar, tive a resposta: não tem nada contra você, mas você está morto e aqui as leis são duras para quem já morreu e o “cabeça de bagre” que me atendeu, entregou-me um livro da grossura de uma enciclopédia. Pasmem, o título era: regras para mortos. Gente! Me deu uma saudade daquele Abraão sem regras que eu havia conhecido e deixado!!! Entrei em desespero outra vez. Neste momento concluí: antes tivesse morrido sufocado naquela sepultura!
Para minha felicidade acordei neste instante! Uff!!!! A primeira coisa que fiz, foi imaginar que este povo do Abraão “é feliz e não sabe”! Viva o Abraão sem regras! Graças a Deus acordei aqui! Mais suado que gordo em sauna! Emagreci três quilos no pesadelo! UFF!!!              
*Spigtura: Subprefeitura da Ilha Grande.   

( SETEMBRO 2007 )

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